Novos velhos desabafos

Estava aqui precisando colocar umas coisas pra fora e lembrei-me desse blogger há muito - quase 3 anos - parado. Aproveitei e reli os antigos posts e vi como umas questões ainda persistem, outras estão sendo resignificadas e algumas outras ainda nem levei pra terapia, mas acontecerá em algum momento do futuro.

O que me traz hoje é o conflito com a entrega das avaliações. Preciso terminar duas para HOJE e estou enrolando essa produção desde sexta. Conversando em terapia na sexta, chegamos ao ponto onde me bloqueio e não consigo produzir essas avaliações por um problema mais profundo de aceitação: toda aquela aceitação que não aconteceu quando eu estava na escola tem sido buscada nos últimos anos, por meio do trabalho. ainda persiste a necessidade de ser aceita por aqueles adolescentes brancos, uma projeção tardia. Os pontos de reflexão que vieram a partir disso me pegaram muito também: eu não necessito dessa aprovação, apenas cumprir minha função; no fundo, eu nem gosto de fato de uma boa parte dos alunos e provavelmente já perceberam isso; estou buscando afeto no local errado, nas relações que não cabem.

É brutal como a falta de aceitação nos traumatiza e molda nossos desejos. Todo esse conflito me fez passar o domingo refletindo a respeito do acesso ao espaço e a integração ao mesmo. Eu tive acesso a espaços brancos e cresci dentro deles mas para quais resultados? Reconheço o conhecimento e a cultura que absorvi, mas vejo prejuízos também. O balanço final tem sido de uma Raissa fragilizada, sem auto estima, com graves problemas de auto afirmação, extremamente ansiosa, lidando com burnout, sem diploma, agarrada na auto sabotagem, com medo de tudo, sufocando a si mesma num porão profundo de... repreensão onde as amarras do "está proibido ser eu mesmo" impedem qualquer movimento de libertação.

Como sair desse porão? Como quebrar essas amarras? Como elaborar essas avaliações e dar conta do meu ofício com qualidade e pé no chão? Ultimately, onde achar esse afeto que tanto persigo?

Primeiro, as amarras. Eu posso e devo ser eu mesma. E eu sou uma pessoa do caralho. Eu sou massa. A família me podou porque era melhor para elas. A sociedade me faz acreditar que sou um ser mísero porque o meu papel é preestabelecido por uma estrutura racista e patriarcal. Vivi experiências afetivas que me fizeram crer que preciso me diminuir para caber no espaço que querem me dar. Mas eu não preciso dessas coisas. Eu sou foda. Eu sei fazer uma prova do caralho. Eu sei ser amiga, ser namorada, ser filha, ser funcionária, ser companheira de forró, ser aluna, ser colega. Eu sei ser tudo isso e muito mais. E se houver algo a ser melhorado, tenho plena capacidade de perceber por mim mesma e me ajustar. Se não der conta sozinha, sei que posso buscar essa ajuda em pessoas que realmente me querem bem e me apoiam. A boa e velha rede de apoio. E tenho feito alguns movimentos em direção a isso recentemente. Verbalizo algumas coisas que me incomodam. Não todas, mas já não estou mais no zero. Tenho organizado algumas coisas. Tem uma voz que está emergindo.

O que nos leva para o segundo ponto. Como sair desse porão. Qual deve ser a primeira rocha que coloco mão e quais as próximas. Não posso permitir que a necessidade de aceitação que a Raissa adolescente sentia determine como ela se comporta hoje e interfira nas relações do dia-a-dia. Enquanto professora, sou autoridade. Enquanto pessoa, também sou autoridade de mim mesma, pra falar a verdade. Eu faço um bom trabalho e não preciso ter medo disso. eu não preciso ficar com preocupada com o efeito de ser boa porque eu já vi que é positivo. Perfeição não existe e não é lógico insistir nela. Eu sou capaz e faço bem. E não sei mais como isso tem a ver com sair do porão rs. O que sinto é que preciso sair desse lugar de não fazer as coisas. De não me permitir... ser boa. Por mais que doa me desligar dessa ideia, é muito mais difícil ser outra pessoa. Eu sei fazer uma boa avaliação, a princípio, não é um problema. E eu não preciso do afeto dos alunos. Eu não preciso da simpatia deles. Eu só preciso fazer um bom trabalho. A idealização do bom professor que conquista o coração dos alunos começa a me parecer errada, se não tóxica. Nem sempre isso é possível. E essa impossibilidade não significa incompetência. Existem incompatibilidades e isso pode ocorrer na relação professor-aluno. Eu sou uma boa professora e não dependo do amor dos alunos para tal. Tudo o que preciso é cumprir com minhas obrigações. E saber em qual empresa trabalho e até onde vai minha valorização.

Ando procurando afeto na valorização no trabalho, está tudo bagunçado.

Então, como sair desse poço? Delimitando com clareza quais são as relações da minha vida e o que esperar de cada uma. Minha relação com a escola é profissional. Alguns afetos podem surgir, mas não é o local para busca-los. Minha relação com os alunos é de transmissão/construção de conhecimento. Novamente, alguns afetos podem surgir mas também não é o local de busca-los. Minha relação com a família é abusiva, e entender que não preciso me submeter a agressões é o caminho. Minha relação comigo mesma DEVE ser de afeto e compaixão. O afeto sai de mim, em primeiro lugar. O cuidado sai de mim em primeiro lugar. A compaixão sai de mim em primeiro lugar. A dedicação sai de mim em primeiro lugar. A compreensão sai de mim em primeiro lugar. A preocupação sai de mim em primeiro lugar. A prioridade também sai de mim.

E aí vamos para a urgência da noite: elaborar as avaliações. Como fazer? Bom, sentar, abrir o Word e iniciar rs Mas ciente que não estou fazendo isso porque estou numa empresa que gosta de mim, me valoriza pagando o justo ou porque é um meio de ser aceita pelos alunos. Faço a avaliação porque é mais uma função a ser cumprida numa relação trabalhista mantida pela necessidade de pagar contas e ter dinheiro. Minha profissão não sou eu. Meu trabalho não é minha vida. O - pouco - dinheiro que ganho como contraprestação é a principal razão de ainda estar trabalhando. A visão de gosto do que faço fica meio perdida quando o trabalho vira fonte de angústias, um ambiente que não me sinto no meu melhor. Então, é isso. Faço as avaliações a partir dessa visão mais fria de uma mera obrigação trabalhista. Nem mais, nem menos.

A pergunta do afeto já foi respondida: eu acho ele em mim. Fim de discussão.

Sigamos.

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